Durante muito tempo, os fundadores do Airbnb acreditavam que a experiência dos consumidores era centrada na hospedagem. Mas tudo mudou quando um deles leu sobre a produção de “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Você já ouviu falar de Don Norman? Ele é uma dos maiores “engenheiros de usabilidade” da atualidade, professor da Universidade da Califórnia e autor do best-seller O Design do Dia a Dia (Editora Anfiteatro).
Seus pensamentos sobre “design centrado no ser humano” são tão relevantes que deram origem à expressão “Norman doors”, ou “portas de Norman”.
As “portas de Norman” são aquelas que nos confundem. As que têm elementos de design que nos dão sinais errados de usabilidade, de modo que precisam de adesivos para nos orientar. Devemos puxar ou empurrar?
Uma porta que confunde o usuário é o perfeito resultado daquilo que ocorre quando construímos produtos ou serviços sem levar em conta as reais necessidades das pessoas. Sem pensar na jornada de consumo do que estamos vendendo.
O assunto foi tema de uma mentoria coletiva que eu ministrei no programa Radar Santander, uma parceria do Banco Santander com a Endeavor para apoiar negócios inovadores a maximizar seu potencial de crescimento e de impacto.
Com as inúmeras possibilidades de escolha que nós temos como consumidores, o que acontece quando vivemos uma experiência ruim? Simples: nós trocamos. Trocamos de aparelho, deixamos de ir a um restaurante, excluímos o app, descartamos uma marca específica, e por aí vai.
Por isso, deixo a provocação: na jornada que o consumidor terá com o seu produto ou serviço, onde estão as portas que podem confundi-lo? Reflita sobre todo o processo e procure descobrir onde ele pode emperrar.
Este exercício de pensar com a cabeça do usuário é fundamental. Mas, na prática, o que significa ser uma empresa centrada no usuário? O exemplo do Aribnb ilustra bem isso.
Um dos casos que mais gostamos de utilizar nas formações em User Experience Design da Tera — escola com foco em competências para a economia digital da qual sou fundador — é o do Airbnb.
Criar uma empresa orientada ao usuário significa proporcionar a melhor experiência possível aos seus clientes — e sempre se perguntar como pode ser melhor. Significa levar os princípios do customer success (sucesso do cliente) a ferro e fogo, não só no atendimento, mas em todas as etapas da jornada e interação das pessoas com a sua marca.
Brian Chesky, fundador do Airbnb, dá seu próprio testemunho sobre o que seria uma experiência “11 estrelas” para seus clientes.
“A experiência de 0 a 3 é você chegar a um lugar, tocar na porta e ninguém aparecer. Uma experiência 5 é você bater na porta, entrar e encontrar uma cama. Numa experiência 6, você chega, alguém 0 recebe, tem uma garrafa de vinho e você pensa ‘funcionou super bem, fui bem-recebido, com certeza vou voltar’. Já em uma experiência nota 7, é o Reid Hoffman a recebê-lo numa casa de frente para o mar; ele sabe que você gosta de cozinhar, a cozinha já está lá etc. Uma experiência incrível. A experiência 10 estrelas é uma experiência Beatles, as pessoas o esperando lá fora do aeroporto. Mas a experiência 11 é inimaginável. Vai além de qualquer expectativa. É ter o Reidi Hoffmann e o Elon Musk te recebendo, e contando que você tem uma viagem marcada para a Lua”.
Vale a reflexão: na sua empresa, o que seria uma experiência 3 estrelas e uma 11? E qual delas você está entregando hoje?
Para Brian, fundador do Airbnb, uma startup tem dois estágios: criar uma experiência incrível e tornar essa experiência massiva.
A esse respeito, Brian Chesky não esconde de ninguém de onde veio a inspiração para criar uma experiência memorável para os usuários: Walt Disney. Mais especificamente da releitura do clássico “A Branca de Neve”. De acordo com Chesky, essa foi a primeira vez que um storyboard foi usado em uma animação.
A partir dali, o executivo pensou em como seria usar esse storyboard para os usuários do Airbnb. Até contrataram gente da Pixar para ajudar. E o storyboard deu fruto à chamada “jornada do consumidor” na empresa.
Com o roteiro, Chesky e o Airbnb entenderam que o produto real deles era a viagem, e não a hospedagem. E havia muitos elementos da viagem sobre os quais eles não tinham controle. Essa constatação deu origem, por exemplo, ao “Airbnb Bairros”, um guia com atrações locais.
No meu ponto de vista, esse detalhamento da jornada foi um precursor do que a empresa se tornou. A partir dali, o time do Airbnb assumiu que o núcleo da experiência eram as viagens; e, diante disso, começaram a vender um pacote de experiências que inclui a hospedagem, claro, mas que vai muito além.
Usamos a expressão “jornada do consumidor”, mas, no final das contas, estamos falando de CX, ou Customer Experience. E, quando se trata de CX, existem quatro fases que indicam o quanto sua empresa se apropria desse tema:
1) Desconhecida: você não tem clareza sobre quem é o usuário principal e qual a experiência dele com o produto/serviço.
2) Conhecida: você já sabe quem são os usuários, mas não tem controle sobre as suas experiências. Elas são randômicas e, de certa forma, imprevisíveis.
3) Previsível: você sabe quem é o usuário central, quais são as etapas e tem previsibilidade sobre a experiência; em outras palavras, a experiência está no seu domínio
4) Replicável: cada detalhe da experiência passa a ser parte de um processo replicável, escalável e conhecido por todas as pessoas da empresa.
O aprendizado mais importante, aqui, é a definição de quem é o usuário central por parte da sua empresa. Aquele sem o qual sua organização não existiria. Depois, você deve identificar, em um nível mais amplo, quais são as etapas pelas quais ele passa. Definir o storyboard da experiência, como o Airbnb fez.
Para cada etapa, tente identificar sentimentos e dúvidas que podem surgir para o usuário — as portas que confundem. Quais são as perguntas que ele faz? O que parece óbvio para você, mas é dúvida recorrente entre os clientes?
Em quarto lugar, crie hipóteses para as expectativas do usuário numa etapa específica. É somente “ok”, satisfatório? É incrível?
Por fim, quando todos esses processos forem cumpridos, virá outro grande desafio: massificar a experiência, torná-la acessível a um número cada vez maior de usuários. Mas essa é uma porta que deixarei para abrir num futuro artigo — de preferência, intuitivamente, sem precisar de um adesivo indicando se devo puxar ou empurrar.