Don Norman e user experience: o que uma porta ensina sobre design?

Descubra o que Don Norman explica sobre design de experiência e quais são os pincípios básicos para criar um produto — digital ou não — que atraia as pessoas usuárias.

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Este conteúdo foi publicado originalmente no Medium da Tera.
 

Você dá de cara com uma porta e precisa abri-la para seguir adiante. Quando você empurra a porta, na verdade, percebe que precisa puxá-la para abrir. Quantas vezes você já passou por isso? Você, então, encontra uma outra porta e vê um puxador gigante. Sua intuição diz que aquele puxador serve para puxar, mas era para empurrar. Então, para que ter um puxador?!

Don Norman é designer, professor de ciência cognitiva na Universidade da Califórnia em San Diego, professor de ciência da computação na Universidade Northwestern e consultor da Apple. Ele é o criador do termo User Experience (experiência do usuário), tem diversas publicações sobre design e uma delas é o livro “Design do Dia a Dia” (Editora Rocco).

No livro, Norman descreve situações rotineiras como abrir uma porta, ligar e desligar equipamentos, girar a torneira. Ao movimentar a maçaneta da porta, espera-se poder destravá-la. Ao apertar o botão “power” de um equipamento, espera-se que o ligue ou desligue.

Ao girar uma torneira para um sentido, espera-se que o fluxo de água mude. Porém, como no exemplo da porta, nem sempre fazendo um movimento convencional você vai ter a resposta convencional. Girar a torneira no sentido anti-horário para abrir é uma convenção, mas não é uma regra.

O design existe, em geral, para dar funcionalidade e forma para as coisas. A escola alemã Bauhaus é uma das precursoras no design como funcionalidade e forma, tendo como objeto de estudos: a natureza, os materiais (ex. madeira, ferro, vidro, argila), os elementos construídos, as cores, as composições.

A função determina para que o produto foi criado ou projetado. No caso da porta, as funções dela podem ser: restringir o acesso, permitir a transição de um ambiente para outro (ex.: ir da sala para banheiro). Já a forma é a estética, os elementos e os materiais que podem ajudar a compor a funcionalidade.

Uma porta pode ser lisa, de madeira pintada de vermelho e sem maçaneta, por exemplo. Uma porta transparente em uma loja tem a função de separar a rua do espaço de vendas e permitir que as pessoas passantes consigam olhar para dentro antes de entrar, além de proteger o espaço e os produtos.

Mas será que tudo o que existe tem design?

Imagine que você está em uma grande cidade. Olhe ao seu redor e veja lojas, casas, prédios, ruas, semáforos, carros, pessoas, roupas, bolsas, sacolas, celulares, copos, cadernos, canetas, chaves. Don Norman afirma que sim.

Se notar, a maioria das coisas que te cerca foi produzida por seres humanos. Do dispositivo que você está usando para ler esse artigo, da roupa que veste às arvores que foram plantadas na rua. E se nada disso existisse? E se não existisse mais roupa, relógio, celular, papel, onde estaríamos? Reflita um segundo sobre isso com esses quadrinhos:

Não, a ideia não é fazer uma revolução e voltar às origens. A reflexão que Don Norman quer trazer é sobre o impacto das coisas no dia a dia das pessoas. Se a maioria dessas coisas foi produzida por pessoas, espera-se que elas tenham alguma função. Porque forma todas elas tem, independente de agradar e ajudar na funcionalidade. Se você pegar uma massinha de modelar de brinquedo, apertar aqui e acolá, vai ter uma forma, mas não necessariamente uma função, concorda?

Você precisa de um produto desses para cortar bolos e tortas de forma simétrica para agradar os amigos que brigam pelo último pedaço. Se você tem uma confeitaria, dá mais praticidade e ajuda na apresentação, além de ser um objeto de decoração.

Você pode não acreditar mas essa é uma das primeiras versões do site do AirBnb. Será que você “esqueceria os hotéis” como era a sugestão da assinatura da marca e utilizaria esse serviço? Muita gente conseguiu alugar quartos e hoje é a maior rede hoteleira do mundo, sem ter um imóvel próprio. É fácil, rápido e simples de navegar para encontrar, reservar um quarto e viajar o mundo todo conhecendo pessoas.

Olhe ao redor novamente e veja a infinidade de coisas que existem com design. Por outro lado, há produtos que não têm função clara, mas existem apenas como forma. No design gráfico acontece a mesma situação. Quantas marcas de empresas, sites, aplicativos que você conhece que não têm pé nem cabeça. Mesmo que haja intenção, nem tudo que é criado, é criado com o pensamento de design.

Princípios Básicos

Don Norman criou princípios básicos para que um produto físico ou virtual tenha design:

  1. As funções básicas devem estar aparentes (ex.: máquina fotográfica digital tem o botão de ligar e de apertar o click das fotos) e as funções complementares também devem ser acessíveis e não escondidas para facilitar em vez de dificultar;

  2. Assim como as funções devem estar aparentes, as possibilidades de uso do produto também. Ao ver o produto ser claro como usar (ex.: uma caneta, quem olha para uma já pressupõe que deve segurar para escrever);

  3. Ações devem gerar uma reação. Ao interagir com o produto, ele deve gerar uma resposta, mesmo aqueles produtos não eletrônicos (ex.: um tênis para corrida que ao utilizar é perceptível a proteção dos pés e pernas aos impactos);

  4. Relacionar os elementos de controle e ação no produto (ex.: apertar o símbolo + para aumentar o volume e o símbolo — para abaixar o volume);

  5. A forma deve ajudar a evitar erros, tornando o uso mais prático e fácil (ex.: uma torneira em formato de X ajuda para que a mão não escorregue caso esteja molhada e ensaboada. Com uma torneira redonda, as chances de escorregar e dificultar a abertura são muito maiores);

  6. As ações devem gerar as mesmas reações para criar consistência (ex.: um botão de ligar e desligar de um aparelho deve ser específico para isso e não incluir uma série de funcionalidades que podem induzir ao erro);

Então, de certa forma, uma porta deve reunir esses aspectos. A fechadura e a maçaneta devem estar visíveis. A maçaneta ter uma ergonomia que faça a sugestão de uso (ex.: curvado com o formato da mão para facilitar o jeito de agarrar), o movimento da maçaneta ser a convenção (ex.: empurrar para baixo para destravar).

Norman cita, em outra publicação, dimensões mais subjetivas relacionadas ao design. São três níveis subconscientes: visceral, comportamental e reflexivo.

O primeiro tem a ver com as emoções causadas, com as experiências sensoriais relacionadas à forma e à estética, que podem até superar problemas de uso (ex.: no mercado automotivo, alguns modelos de carro vendem pela sua estética e momento, mesmo que o projeto apresente problemas. As revistas especializadas em veículos encontram inúmeros projetos mal acabados de alta aceitação no mercado).

A função e a funcionalidade dependem do contexto em que o produto é inserido. A febre do DIY [Do It Yourself], traduzido como “faça você mesmo”, em que você cria coisas de forma fácil, de coisas mais simples a móveis e até carros e casas. Um prendedor de papéis pode ser usado como um organizador de cabos, ou seja, nem sempre a forma e a função é única e é por isso que depende do contexto que o produto está sendo usado.

Já o segundo nível tem a ver com o uso, com a sensação de estar no controle das ações, sem necessariamente perceber que está em piloto automático para ter satisfação e prazer (ex.: usar o smartphone como um companheiro de todas as horas, a qualquer hora em qualquer lugar).

E o terceiro nível é o mais pessoal que reflete a autoimagem ou complementa o superego. Está diretamente relacionado à cultura e ao status social que a posse do produto pode causar (ex.: usar a bolsa da última coleção de uma grife famosa). As dimensões subjetivas complementam as dimensões mais funcionais e de forma, e para muitos casos, elas não podem ser desvinculadas, pois isso tem a ver com a experiência que o usuário quer vivenciar.

A importância do Design em produtos digitais

Não é possível ter um aplicativo no celular chamado Spotify que apenas toca músicas e tem um layout bonito. O design sobrepõe o aplicativo que está no dispositivo. A experiência que o design proporciona é maior que o uso, que a funcionalidade, que a estética.

As pessoas vão querer dizer que usam o Spotify, ao invés do iTunes Music, vão assinar o serviço premium porque vale a qualidade da experiência e porque foram a um show exclusivo patrocinado pela marca, por exemplo. O design reúne fatores que provocam sensações e comportamentos.

É isso o que uma porta pode ensinar sobre design

Em uma loja de grife famosa, a porta precisa, em função e forma, proteger e complementar a qualidade estética da fachada. Já nas dimensões sociais, permitir que as pessoas sejam vistas lá dentro. Então, instale uma porta transparente com um puxador maravilhoso de inox, mas não esqueça de orientar os clientes com a informação “puxar” ou “empurrar”, ou instalar uma porta automática ou que corre para ambos os lados. Como Don Norman diz:

“seja generoso com a pessoa que vai usar seu produto, não faça ela errar para descobrir qual é o jeito certo”.

No vídeo abaixo, Don Norman explica de maneira divertida o caso da porta e dá outros exemplos de uso do design no nosso dia a dia:

 

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