De iFood a Zara: machine learning e personalização de dados
Nada mais é offline — entenda porque as empresas são cada vez mais orientadas por dados. Descubra como iFood e Zara estão usando machine learning para alcançar melhores resultados e diminuir riscos.
Antes, quando alguém chegava do trabalho sem pique, com fome e nada na geladeira, a rotina mais comum era pegar o telefone e o ímã de geladeira, pedir uma pizza, esperar uma hora, pagar no dinheiro ou maquininha de cartão e comer. Hoje, você tem centenas de opções direto no aplicativo e, desde que apps como o iFood aceitam pagamento online, quando o motoboy aparece você só acena e agradece.
Só que o pagamento online, que significou a solução de vários problemas, também fez surgir um novo problema para a empresas, muito comum entre e-commerces e marketplaces: as fraudes.
Neste artigo, Julia Tessler, Data Scientist no iFood, conta como a personalização do uso de dados e a inteligência artificial os ajudou a detectar e prevenir fraudes. Além dela, Marcia Asano, CEO da Hekima, compartilha dicas para ter uma empresa mais data driven.
Quando a máquina aprova o pedido
Antes de criarem um produto de dados para prevenir as fraudes, o processo era bastante padrão. As transações passam por um motor de regras, pautado em um sistema de regras manuais, que as direcionam para uma aprovação automática, uma rejeição automática ou, em casos de incerteza, um serviço terceirizado de detecção externa.
Mas esse processo custa dinheiro. E a rejeição de pedidos também — afinal, quanto mais pedidos bem sucedidos, melhor para as finanças.
E é aí que entra o Machine Learning, ou aprendizado de máquina. Agora, além das regras manuais, a máquina também é responsável por esse filtro, sendo capaz de aprender novos padrões com novos dados personalizados para cada usuária. Em seguida, as análises passam por um motor de regras de decisão.
Com as regras manuais, o desenvolvedor diz para o sistema o que deve ser reconhecido como uma fraude: por exemplo, se a transação é feita de um outro país, sem um aviso viagem. Em contrapartida, se a pessoa não deu um aviso viagem, mas ela tem um histórico de compras realizado naquele país ou esteve recentemente em outros países próximos, a máquina pode enviar informações que ajudam a autorizar o pedido.
Hoje, o Machine Learning é responsável por aprovar ou rejeitar 70% das transações do iFood.
Nesse caso, os dados recolhidos pelo aplicativo são utilizados para melhorar a experiência de usuários de uma forma que nem percebem. No entanto, eles também são aplicados em soluções mais visíveis, como recomendação de restaurantes, testes A/B em produtos, personalização de marketing/CRM e previsão de pedidos.
“É imprescindível que as pessoas comecem a ser um pouco mais data driven para que as empresas continuem crescendo. Está chegando a um ponto em que não dá mais para um negócio crescer se não fizer bom uso dos seus dados”, afirma Julia.
Mas como construir uma cultura mais data driven?
Por mais que seja essencial, a inserção da personalização de dados como estratégia é um fenômeno relativamente recente. Marcia Asano aponta duas questões que contribuíram para o crescimento dessa área:
Volume de dados
Antigamente, quando se pensava em dados, vinha em mente uma planilha de Excel ou um sistema transacional. Hoje, tudo é dado — voz, imagem, movimento… eles podem ser coletados em massa, das mais diversas fontes, para serem usados no dia a dia.
Custo da tecnologia
O valor de armazenamento e processamento despencou. O que antes se fazia em super máquinas e data centers, hoje exige muito menos.
“Um smartphone moderno é mais potente que um data center de anos atrás”, diz Marcia.
No entanto, poucos dos dados gerados são analisados, estudados ou usados para finalidades relevantes. Pela busca em ser mais data driven, inclusive, é comum equipes começarem a coletar mais dados, que se convertem em relatórios, mas que só resultam em mais dúvidas sobre o que fazer com eles.
“Não é número pelo número, tem que ter alma, saber por que aplicar”, defende Marcia. “Dado tem que gerar ação.”
Para ser mais orientado por dados, portanto, ter um time de dados é um bom começo, mas não é o bastante. O processamento de dados deve gerar conhecimento de negócios e diferentes áreas da empresa devem participar do processo:
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Saiba quais são as perguntas que devem ser respondidas. “Não adianta sair olhando para o banco de dados procurando algo. Qual é o problema ou a oportunidade que você tem que os dados podem responder?” (Denys);
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Busque um ponto de partida que traga ROI. Produzir insights é legal, mas eles precisam ser aplicáveis e gerar retorno sobre o investimento;
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A diversidade cria os melhores produtos. Data science é uma combinação de diversas ciências, então tenha uma variedade de perfis para chegar nas melhores soluções;
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Não desperdice o potencial de coleta de dados do seu negócio. Se o iFood, por exemplo, não monitora todos os aspectos de interação do usuário com telas, restaurantes e até pratos e ingredientes, ele não tem informação suficiente para criar algoritmos fiéis de recomendação. Julia complementa com uma crença herdada dos cases da Netflix: “mais interessante que saber o que o usuário escolhe, é saber o que ele não escolhe.”.
Nada mais é offline
Já que mencionamos a Netflix, ela continua sendo um dos maiores casos de personalização por aí. Junto dela vem o Spotify, que vai tão longe quanto avaliar instrumentos, ritmos e tons das músicas que você escuta para montar a playlist totalmente customizada e perfeita para sua tarde de domingo. Mas se engana quem pensa que apenas produtos digitais podem fazer bom uso dos dados.
Um exemplo é a Zara, referência global de fast fashion. Ela não investe praticamente nada em publicidade — em vez disso, direciona recursos para a abertura de novas lojas pelo mundo e (surpresa!) sensores em seus cabides.
Sim, cada vez que uma peça de roupa deixa a arara, a equipe sabe qual é a numeração, o estilo, a estampa, entre outras características. Esses dados são monitorados e encaminhados em tempo real para as fábricas, que aumentam ou diminuem a produção de acordo com a demanda.
Como consequência, a Zara trabalha praticamente sem estoque e é capaz de produzir uma nova coleção em uma semana (contra 3–6 meses da média do mercado), mantendo uma rotatividade alta dos produtos. Ela reconhece não apenas o que está sendo consumido na indústria da moda, como também a forma com que esse consumo se reflete para seu público em cada localização.
Junte isso às câmeras de monitoramento, já muito comuns no varejo, e você também tem decisões melhores quanto a merchandising e até alocação de pessoal dentro das lojas.
Afinal, é como Marcia já havia comentado: qualquer coisa pode ser transformada em dado. Quanto mais personalizados eles forem, mais valor é gerado. E Julia completa: “Não tem mais offline, é tudo online; a gente só não vê.”
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Gostou de compreender as dinâmicas de machine learning e peronalização por trás das estratégias do iFood e da Zara? Este conteúdo é resultado do painel da Digital Product Week 2018, mediado por Denys Fehr, CEO da Just a Little Data. Confira a conversa completa no canal da Tera no Youtube.