O Spotify transforma Ciência de Dados em ações humanizadas e criativas. Entenda como o comportamento das pessoas na plataforma ajuda a crescer exponencialmente o negócio da gigante do streaming.
“Querida pessoa que escutou ‘Sorry’ 42 vezes no dia dos namorados, o que você fez?” — dizia o outdoor em uma avenida movimentada de Nova York. A campanha era do Spotify, uma das maiores plataformas de streaming de música do mundo, para se despedir do ano que terminava — “obrigado, 2016, você foi estranho”. Mas não dê atenção ao hit do Justin Bieber: o que importa aqui é como eles chegaram à informação do anúncio.
Acontece que dentre bilhões de números e códigos, a empresa foi capaz de separar aqueles que podiam ser transformados de uma forma criativa e humanizada: identificou que uma única pessoa, em um determinado contexto, escutou uma música pop sobre amor e arrependimento. 42 vezes. O Spotify utilizou a análise de dados com maestria, e ganhou holofotes globais por isso.
Todas as suas campanhas desde então usaram de princípio semelhante. Outras frases espalhadas pelo mundo foram “Queridas 3.749 pessoas que tocaram ‘It’s the End of the World as We Know It’ (‘é o fim do mundo como o conhecemos’) no dia da votação do Brexit, aguentem firme” e “Mais de 3 milhões de pessoas têm uma playlist chamada ‘playlist’. Esperamos que a senha delas não seja ‘senha’”.
Sem ciência de dados, nenhuma dessas sacadas teria sido possível. Ou melhor: sem ciência de dados, o Spotify nem existiria. Por quê? Porque além de bom marketing, é a ciência de dados que estás por trás da experiência do usuário.
Dados são processados e utilizados no Spotify para diferentes motivos: dando suporte à tomada de decisões, fornecendo informações de previsão e análise de negócios, segmentando ofertas de publicidade e insights de artistas. A maior parte das ações, no entanto, são centradas na pessoa usuária, permitindo ao Spotify fornecer recomendações de músicas ou selecionar, por exemplo, a próxima faixa da rádio.
Os dados fazem parte de sua cultura desde os primórdios da plataforma, em 2008. Por isso, os times de Data & Analytics da empresa sempre foram robustos. Os cientistas de dados devem ter visão estratégica, entendimento de modelos de negócio, capacidade de identificação e priorização de problemas reais por meio de análises de bancos de dados, e conhecimentos de estatística, programação e machine learning para solucioná-los.
Dados são a base da cultura do Spotify e permite alta personalização como os "tastes profiles".
Não à toa, a profissão é quente em todo o mercado e eles sempre têm posições abertas em pelo menos 6 cidades. Pudera, são 140 milhões de usuários na plataforma, bilhões de músicas sendo tocadas todos os dias em mais de 60 países e milhares de novas canções adicionadas ao catálogo a cada novo amanhecer.
Um dos focos da ciência de dados no Spotify é a personalização, que se tornou um peça chave do serviço da plataforma. Um exemplo são os “taste profiles” (ou perfis de gosto), que são construídos em torno de cada usuário e deram origem a recursos como:
O “Radar de Novidades”, que lista os últimos lançamentos dos artistas favoritos do usuário e novos singles parecidos para descobrir;
Os “Daily Mix”, junta músicas que já fazem parte da biblioteca da conta e as organiza em playlists infinitas, categorizadas por estilo, acrescentadas de outras faixas relacionadas;
O “Descobertas da Semana”, uma mata inexplorada de novos sons quase sempre certeiros quanto às preferências de quem escuta. Só no primeiro ano em que foi introduzido, em 2015, alcançou 40 milhões de usuários.
Para traçar os perfis, são cruzadas informações sobre as faixas e artistas mais escutados pela pessoa, além do número de vezes que cada um é tocado, com um mapeamento mais amplo do contexto cultural desses artistas e as características de suas músicas. Alguns critérios analisados incluem acústica, organicidade, ritmo e até “dançabilidade”.
Mas as informações são obtidas não apenas sobre os hábitos musicais dos usuários, como também sobre onde e em que contexto, além de idade, gênero e localização de quem escuta.
Elas são ainda comparadas às de outros usuários do Spotify para agrupar o que estão escutando, compartilhando e salvando como preferidas, e assim gerar novas playlists, abertas a todos: as mais populares no Brasil, por exemplo, ou algo tão específico quanto “Corrida Sertaneja 140–145 BPM” (sim, essa lista existe).
Isso quer dizer que uma pessoa não precisa ter uma extensa seleção de músicas salvas e um perfil super completo para receber recomendações de qualidade: as recomendações acontecem em tempo real, desde a primeira interação com o Spotify.
Outro exemplo: mais de 400 mil playlists foram criadas com temática de churrasco nos últimos anos. Quando uma delas é tocada, você pode ter quase certeza do que a pessoa está fazendo, em que tipo de humor está, e de que está acompanhada. Isso ajuda, claro, a direcionar melhor os anúncios para usuários não-pagantes.
Quem usa o serviço gratuitamente não pode desfrutar uma programação customizada sem intervalos comerciais — afinal, o Spotify precisa pagar as gravadoras que disponibilizam suas produções — , mas o nível de personalização que a plataforma oferece tende a compensar.
Não é comum um modelo freemium dar certo com tanta facilidade: de acordo com a Harvard Business Review, a média das taxas de conversão de usuários gratuitos para premium costuma ficar entre 2% e 5%.
Para quem quiser chutar a taxa do Spotify, no entanto, é bom chutar alto. Dos 140 milhões totais, 60 milhões são assinantes, o que representa impressionantes 42% de conversões.
Com isso, eles mostram que ter uma inteligência de dados por trás faz toda a diferença. Não que usuários não-pagantes não tragam receita, mas às vezes eles só precisam de um empurrãozinho para dar o próximo passo. A análise de dados no Spotify também cumpre sua função em indicar qual é o melhor momento para isso e, assim, oferecer descontos e planos especiais.
Porém é graças à versão gratuita que os usuários podem perceber o valor oferecido pela plataforma e se engajar com ela, antes de tomar sua decisão.
O modelo freemium acaba permitindo também ao Spotify ganhar escala ao gerar uma massa de usuários e uma quantidade tão significativa de dados com os quais trabalhar — inclusive entendendo o comportamento e a jornada de cada usuário na plataforma para identificar problemas e oportunidades rapidamente, em termos de desenvolvimento de produto.
Vale ressaltar, no entanto, que nenhuma máquina faz esse trabalho sozinho. Ciência de Dados e Analytics podem revelar informações extraordinárias, às vezes até contraintuitivas, mas não por que elas existem ou como utilizá-las. É preciso um ser humano por trás dos dados: para prepará-los, compreendê-los, criar soluções e aplicar seus esforços sobre elas.
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O Spotify não teria chegado onde chegou sem os dados, mas menos ainda sem cientistas de dados. Se você gostou deste artigo, leia também como os dados são usados pela Zara.