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Modelo de Kano: o que é? como usar para priorizar o que importa

Escrito por Redação Tera | 23 Jul

Nem toda funcionalidade gera o mesmo tipo de valor para quem usa um produto. Algumas são esperadas, outras encantam, e há aquelas que passam despercebidas, ou até atrapalham.

O Modelo de Kano ajuda a classificar essas diferenças de forma estruturada, trazendo mais clareza para decisões de produto, experiência e estratégia.

Neste guia, você vai entender como o modelo funciona, como aplicá-lo na prática e por que ele pode ser um aliado valioso na hora de decidir o que priorizar, e o que deixar de lado.

Aqui você vai encontrar:

O que é o Modelo de Kano?

O Modelo de Kano foi criado nos anos 1980 por Noriaki Kano, professor e pesquisador japonês. Seu objetivo era ajudar equipes a entender como diferentes funcionalidades impactam a satisfação do usuário, e, com isso, tomar decisões mais inteligentes sobre o que priorizar em um produto ou serviço.

O que o Modelo de Kano propõe?

A ideia central é simples:

Nem toda funcionalidade entrega valor do mesmo jeito.

Algumas são básicas e obrigatórias. Outras encantam. E algumas nem fazem diferença.

O modelo classifica as funcionalidades em categorias, com base em como as pessoas reagem a elas. Isso ajuda a responder perguntas como:

  • O que precisa estar presente para o produto “funcionar”?
  • O que surpreende e encanta o usuário?
  • O que pode ser deixado de lado sem gerar frustração?

Por que isso importa?

Porque esse tipo de olhar muda a forma como você constrói soluções:

  • Evita entregar funcionalidades que ninguém valoriza.
  • Ajuda a priorizar o que realmente gera impacto.
  • Traz clareza na hora de montar MVPs, roadmaps e testes.

Ao aplicar o Modelo de Kano, você passa a tomar decisões com base em percepção de valor, não só em esforço, modismo ou intuição.

As cinco categorias do Modelo de Kano

O Modelo de Kano organiza as funcionalidades em cinco categorias, com base na forma como elas afetam a satisfação ou frustração do usuário.

Entender essas categorias ajuda a tomar decisões mais inteligentes sobre priorização de features, escopo de MVPs e experiências de uso que realmente importam.

Vamos a cada uma delas:

1. Funcionalidades obrigatórias (Must-be)

São aquelas que o usuário espera sem nem pensar. Elas não geram satisfação quando estão presentes, mas causam frustração imediata se estiverem ausentes ou mal implementadas.

Exemplos:

  • Conseguir pagar um boleto em um app de banco.
  • Botão de “sair” em uma plataforma.
  • Ver a senha ser mascarada ao digitar.

São invisíveis quando funcionam, mas críticas se falham.

Você não ganha pontos por fazer, só perde se não fizer.

2. Funcionalidades lineares (One-dimensional)

Aqui, vale a lógica do “quanto mais, melhor”. Quanto mais bem feita estiver a funcionalidade, maior a satisfação. Se estiver mal feita, vem a frustração.

Exemplos:

  • Velocidade de carregamento de uma página.
  • Qualidade de imagem em uma videochamada.
  • Precisão da busca em um e-commerce.

Essas funcionalidades costumam ser boas candidatas para ganhar competitividade no mercado, especialmente quando estão alinhadas com o que o usuário valoriza.

3. Funcionalidades encantadoras (Delighters)

São aquelas que o usuário não esperava, mas ao se deparar com elas, sente surpresa positiva. Elas não são exigidas, mas geram um efeito "uau!" quando aparecem.

Exemplos:

  • Um e-mail carinhoso de “parabéns” no dia do aniversário.
  • Feedback sonoro e divertido ao completar uma tarefa.
  • Cancelamento de assinatura em 1 clique, sem burocracia.

Essas funcionalidades criam diferenciação, encantamento e até fidelidade, mas não fazem falta se não existirem.

4. Funcionalidades indiferentes (Indifferent)

São aquelas que o usuário não percebe ou não se importa. Não aumentam nem diminuem a satisfação.

Exemplos:

  • Ícone decorativo que não comunica nada.
  • Escolher entre 12 fontes diferentes no app de notas.
  • Opções avançadas que o público nem entende.

Essas funcionalidades costumam ser desperdício de esforço e, por isso, o Kano ajuda a identificá-las antes que consumam tempo do time à toa.

5. Funcionalidades reversas (Reverse)

Nesse caso, a presença da funcionalidade gera incômodo ou frustração. O usuário preferiria que ela não estivesse ali.

Exemplos:

  • Autoplay de vídeos com som alto ao abrir o app.
  • Requisição obrigatória de dados que parecem irrelevantes.
  • Tutoriais que bloqueiam o uso do app até serem concluídos.

Essas funcionalidades geralmente surgem de excesso de controle, ego do produto ou decisões internas desconectadas da experiência real.

Como aplicar o Modelo de Kano na prática

Uma das maiores forças do Modelo de Kano é que ele pode ser aplicado de forma leve, acessível e ajustada à realidade do projeto. Você não precisa de uma equipe de UX research nem de ferramentas sofisticadas, o que importa é o olhar crítico para a percepção do usuário.

Aqui estão os caminhos mais comuns para aplicar o modelo:

1. Liste as funcionalidades em discussão

Comece identificando as funcionalidades que você quer analisar. Podem ser:

  • Funcionalidades já existentes que você quer melhorar.
  • Ideias novas que o time está considerando implementar.
  • Funcionalidades propostas por clientes, áreas internas ou concorrentes.

Crie uma lista objetiva. O ideal é que cada item seja claro e específico, para facilitar a análise.

2. Use perguntas funcionais e disfuncionais

O diferencial do Modelo de Kano está na forma como você coleta percepções do usuário. Em vez de perguntar “você quer essa funcionalidade?”, você explora reação e percepção de valor.

Para cada funcionalidade, aplique duas perguntas:

  • Pergunta funcional:

    Como você se sentiria se essa funcionalidade estivesse presente?

  • Pergunta disfuncional:

    Como você se sentiria se essa funcionalidade não estivesse presente?

As respostas geralmente são dadas com opções como:

  • Eu adoraria
  • Eu esperaria
  • Eu não me importaria
  • Eu não gostaria
  • Eu odiaria

A combinação das respostas nas duas perguntas te ajuda a classificar a funcionalidade em uma das cinco categorias de Kano.

3. Aplique com usuários reais (ou com o time, se for o caso)

Você pode usar esse formato de perguntas em:

  • Pesquisas rápidas com usuários (formulários, entrevistas, testes de usabilidade)
  • Oficinas internas com áreas de negócio ou produto
  • Dinâmicas com o próprio time (quando não há acesso direto a usuários)

O mais importante é olhar para percepções, não só opiniões. Às vezes a pessoa nem sabia que queria aquilo, até ver.

Dá pra usar sem pesquisa formal?

Sim, e na verdade, essa é a realidade na maior parte dos projetos.

Se não for possível aplicar com usuários, use seu repertório:

  • O que as pessoas reclamam com frequência?
  • O que elas elogiam de surpresa?
  • O que está lá e ninguém usa?
  • O que gera atrito ou esforço desnecessário?

Essas pistas ajudam a classificar funcionalidades com bom senso e observação qualitativa.

E mais: mesmo esse exercício interno, sem pesquisa, já pode ajudar o time a alinharem expectativas e enxergar o valor com mais clareza.

Quando usar (e quando não usar) o Modelo de Kano

O Modelo de Kano é uma ferramenta poderosa, mas como qualquer método, faz mais sentido em alguns contextos do que em outros. Entender quando aplicar (e quando não for necessário) ajuda a usar seu tempo e energia com mais inteligência.

Quando usar

  • Antes de decidir o escopo de um MVP

    Ele te ajuda a entender o que não pode faltar, o que pode encantar e o que pode esperar.

  • Na hora de organizar o backlog ou fazer trade-offs

    Diante de limitações de tempo ou orçamento, Kano ajuda a priorizar com foco no valor percebido.

  • Ao explorar novas ideias ou funcionalidades

    Você consegue avaliar se uma ideia realmente agrega algo ou se é só “mais uma feature”.

  • Em alinhamentos com stakeholders

    Kano fornece uma linguagem clara para explicar por que certas decisões fazem sentido para o usuário.

  • Em projetos de portfólio ou estudos de caso

    Mesmo sem pesquisa formal, usar a lógica de Kano mostra pensamento estruturado e centrado no usuário.

Quando não usar

  • Quando há incerteza extrema sobre o problema

    Antes de pensar em funcionalidades, você precisa entender bem o contexto e as dores reais. Nesse caso, foco na descoberta, não na priorização.

  • Para avaliar ideias genéricas ou muito vagas

    Kano funciona melhor com funcionalidades específicas, não com conceitos amplos demais como “melhorar a experiência” ou “tornar o app mais amigável”.

  • Se houver dados diretos de uso mais relevantes

    Em produtos já em operação, métricas como engajamento e churn podem falar mais alto que percepções teóricas.

  • Como única base de decisão

    Kano é uma peça do quebra-cabeça. Combine com análise de esforço, impacto no negócio, viabilidade técnica e estratégia de produto.

Usar o modelo com consciência torna o processo mais leve, útil e focado. Ele não é uma regra, é uma lente a mais para tomar decisões melhores.

Como o Modelo de Kano ajuda a priorizar funcionalidades

Saber em qual categoria uma funcionalidade se encaixa já traz valor. Mas o maior ganho do Modelo de Kano vem quando você usa essa informação para tomar decisões melhores sobre o que desenvolver, manter ou deixar de lado.

Em outras palavras: o modelo ajuda a priorizar com mais critério.

O que entregar primeiro?

Ao cruzar o Modelo de Kano com o momento do produto, você começa a entender:

  • O que é obrigatório entregar desde o início (funcionalidades Must-be).
  • O que agrega valor direto e pode justificar investimento (funcionalidades lineares).
  • O que pode ser entregue mais à frente, como forma de gerar surpresa ou fidelizar (funcionalidades encantadoras).
  • O que pode, e talvez deva, ser evitado (funcionalidades reversas).

Esse olhar te ajuda a sair do modo “tudo é importante” e entrar em um raciocínio de valor percebido pelo usuário + esforço necessário.

Kano + matriz de esforço x valor = decisão mais inteligente

O Modelo de Kano pode ser combinado com outras ferramentas, como a matriz de esforço x valor, para tornar o processo de priorização ainda mais robusto.

Exemplo:

Categoria Valor percebido Ideal para...
Must-be Alto (se ausente) MVP, primeira entrega, base do produto
One-dimensional Alto (proporcional) Investimentos incrementais de melhoria
Delighters Alto (se presente) Releases estratégicas, encantamento
Indifferent Baixo Corte ou despriorização
Reverse Negativo Reavaliação ou exclusão

Essa análise ajuda a visualizar o que vale a pena desenvolver agora, depois ou nunca.

Tomando decisões mais conscientes

Usar o Kano é mais do que preencher categorias: é uma forma de mudar o tipo de pergunta que você faz ao decidir o que construir.

Em vez de:

“Essa funcionalidade é legal?”

Você começa a perguntar:

“Isso realmente vai impactar a experiência de quem usa?”

E isso muda tudo.

Exemplo prático: aplicando o Modelo de Kano em um produto simples

Para ilustrar de forma concreta, vamos usar o exemplo de um app de delivery de comida. Imagine que a equipe está considerando as seguintes funcionalidades:

  1. Rastreamento em tempo real do entregador
  2. Sugestões de pratos com base no histórico
  3. Avaliação detalhada de ingredientes
  4. Notificações sonoras quando o pedido sai para entrega
  5. Opções de temas visuais no app

Classificando com o Modelo de Kano

Vamos ver como cada funcionalidade se encaixa nas categorias:

  • Must‑be (Obrigatórias):
    • Rastreamento em tempo real: os usuários esperam saber onde está o pedido. A ausência causa frustração, mesmo não gerando entusiasmo.
  • One‑dimensional (Lineares):
    • Sugestões personalizadas: quanto melhor forem as recomendações, mais satisfeitos os usuários ficam.
    • Avaliação de ingredientes: mais detalhes geram mais confiança e compreensão, aumentando compreensão e valor percebido.
  • Delighters (Encantadoras):
    • Notificações sonoras divertidas: não são esperadas, mas surpreendem positivamente, gerando encantamento.
  • Indifferent (Indiferentes):
    • Temas visuais personalizados: nem geram valor percebido nem causam impacto relevante na experiência.

Representação visual (tabela)

Funcionalidade Categoria Kano Impacto esperado
Rastreamento em tempo real Must‑be Evita frustração, requisito básico
Sugestões personalizadas One‑dimensional Melhora a satisfação proporcionalmente
Avaliação de ingredientes One‑dimensional Ganha em confiança quanto mais detalhado
Notificações sonoras divertidas Delighter Proporciona encantamento inesperado
Temas visuais personalizados Indifferent Pouco impacto, desperdício de esforço

Como isso orienta decisões

Com a classificação, algumas decisões ficam claras:

  • Focar primeiro no rastreamento em tempo real, pois é obrigatório para não frustrar o usuário.
  • Investir na personalização e transparência das sugestões e ingredientes, buscando diferencial.
  • Deixar o som de notificações para uma fase posterior, pois pode encantar, mas não é essencial.
  • Cortar o investimento em temas visuais, a menos que haja tempo e orçamento extra.

Esse exercício deixa a equipe alinhada e com critérios claros sobre onde concentrar esforços, e onde evitar desperdício.

Conclusão

O Modelo de Kano não é uma fórmula mágica, mas é uma das ferramentas mais eficazes para enxergar o que realmente gera valor para quem usa seu produto. Ele te ajuda a sair da dúvida entre “isso é legal ou não?” e a focar no que encanta, satisfaz ou frustra, de verdade.

Mais do que classificar funcionalidades, o modelo te ensina a tomar decisões com base em percepção de valor, não só em esforço ou gosto pessoal. E o melhor: você pode começar a aplicar mesmo em projetos pequenos, estudos ou cases de portfólio.

Pensar com Kano é desenvolver o olhar estratégico de quem entende que

entregar tudo não é o objetivo

O que importa é

entregar o que faz sentido.