Nem toda funcionalidade gera o mesmo tipo de valor para quem usa um produto. Algumas são esperadas, outras encantam, e há aquelas que passam despercebidas, ou até atrapalham.
O Modelo de Kano ajuda a classificar essas diferenças de forma estruturada, trazendo mais clareza para decisões de produto, experiência e estratégia.
Neste guia, você vai entender como o modelo funciona, como aplicá-lo na prática e por que ele pode ser um aliado valioso na hora de decidir o que priorizar, e o que deixar de lado.
Aqui você vai encontrar:
O Modelo de Kano foi criado nos anos 1980 por Noriaki Kano, professor e pesquisador japonês. Seu objetivo era ajudar equipes a entender como diferentes funcionalidades impactam a satisfação do usuário, e, com isso, tomar decisões mais inteligentes sobre o que priorizar em um produto ou serviço.
A ideia central é simples:
Nem toda funcionalidade entrega valor do mesmo jeito.
Algumas são básicas e obrigatórias. Outras encantam. E algumas nem fazem diferença.
O modelo classifica as funcionalidades em categorias, com base em como as pessoas reagem a elas. Isso ajuda a responder perguntas como:
Porque esse tipo de olhar muda a forma como você constrói soluções:
Ao aplicar o Modelo de Kano, você passa a tomar decisões com base em percepção de valor, não só em esforço, modismo ou intuição.
O Modelo de Kano organiza as funcionalidades em cinco categorias, com base na forma como elas afetam a satisfação ou frustração do usuário.
Entender essas categorias ajuda a tomar decisões mais inteligentes sobre priorização de features, escopo de MVPs e experiências de uso que realmente importam.
Vamos a cada uma delas:
São aquelas que o usuário espera sem nem pensar. Elas não geram satisfação quando estão presentes, mas causam frustração imediata se estiverem ausentes ou mal implementadas.
Exemplos:
São invisíveis quando funcionam, mas críticas se falham.
Você não ganha pontos por fazer, só perde se não fizer.
2. Funcionalidades lineares (One-dimensional)
Aqui, vale a lógica do “quanto mais, melhor”. Quanto mais bem feita estiver a funcionalidade, maior a satisfação. Se estiver mal feita, vem a frustração.
Essas funcionalidades costumam ser boas candidatas para ganhar competitividade no mercado, especialmente quando estão alinhadas com o que o usuário valoriza.
São aquelas que o usuário não esperava, mas ao se deparar com elas, sente surpresa positiva. Elas não são exigidas, mas geram um efeito "uau!" quando aparecem.
Essas funcionalidades criam diferenciação, encantamento e até fidelidade, mas não fazem falta se não existirem.
São aquelas que o usuário não percebe ou não se importa. Não aumentam nem diminuem a satisfação.
Essas funcionalidades costumam ser desperdício de esforço e, por isso, o Kano ajuda a identificá-las antes que consumam tempo do time à toa.
Nesse caso, a presença da funcionalidade gera incômodo ou frustração. O usuário preferiria que ela não estivesse ali.
Essas funcionalidades geralmente surgem de excesso de controle, ego do produto ou decisões internas desconectadas da experiência real.
Uma das maiores forças do Modelo de Kano é que ele pode ser aplicado de forma leve, acessível e ajustada à realidade do projeto. Você não precisa de uma equipe de UX research nem de ferramentas sofisticadas, o que importa é o olhar crítico para a percepção do usuário.
Aqui estão os caminhos mais comuns para aplicar o modelo:
Comece identificando as funcionalidades que você quer analisar. Podem ser:
Crie uma lista objetiva. O ideal é que cada item seja claro e específico, para facilitar a análise.
O diferencial do Modelo de Kano está na forma como você coleta percepções do usuário. Em vez de perguntar “você quer essa funcionalidade?”, você explora reação e percepção de valor.
Para cada funcionalidade, aplique duas perguntas:
Como você se sentiria se essa funcionalidade estivesse presente?
Como você se sentiria se essa funcionalidade não estivesse presente?
As respostas geralmente são dadas com opções como:
A combinação das respostas nas duas perguntas te ajuda a classificar a funcionalidade em uma das cinco categorias de Kano.
Você pode usar esse formato de perguntas em:
O mais importante é olhar para percepções, não só opiniões. Às vezes a pessoa nem sabia que queria aquilo, até ver.
Sim, e na verdade, essa é a realidade na maior parte dos projetos.
Se não for possível aplicar com usuários, use seu repertório:
Essas pistas ajudam a classificar funcionalidades com bom senso e observação qualitativa.
E mais: mesmo esse exercício interno, sem pesquisa, já pode ajudar o time a alinharem expectativas e enxergar o valor com mais clareza.
O Modelo de Kano é uma ferramenta poderosa, mas como qualquer método, faz mais sentido em alguns contextos do que em outros. Entender quando aplicar (e quando não for necessário) ajuda a usar seu tempo e energia com mais inteligência.
Ele te ajuda a entender o que não pode faltar, o que pode encantar e o que pode esperar.
Diante de limitações de tempo ou orçamento, Kano ajuda a priorizar com foco no valor percebido.
Você consegue avaliar se uma ideia realmente agrega algo ou se é só “mais uma feature”.
Kano fornece uma linguagem clara para explicar por que certas decisões fazem sentido para o usuário.
Mesmo sem pesquisa formal, usar a lógica de Kano mostra pensamento estruturado e centrado no usuário.
Antes de pensar em funcionalidades, você precisa entender bem o contexto e as dores reais. Nesse caso, foco na descoberta, não na priorização.
Kano funciona melhor com funcionalidades específicas, não com conceitos amplos demais como “melhorar a experiência” ou “tornar o app mais amigável”.
Em produtos já em operação, métricas como engajamento e churn podem falar mais alto que percepções teóricas.
Kano é uma peça do quebra-cabeça. Combine com análise de esforço, impacto no negócio, viabilidade técnica e estratégia de produto.
Usar o modelo com consciência torna o processo mais leve, útil e focado. Ele não é uma regra, é uma lente a mais para tomar decisões melhores.
Saber em qual categoria uma funcionalidade se encaixa já traz valor. Mas o maior ganho do Modelo de Kano vem quando você usa essa informação para tomar decisões melhores sobre o que desenvolver, manter ou deixar de lado.
Em outras palavras: o modelo ajuda a priorizar com mais critério.
Ao cruzar o Modelo de Kano com o momento do produto, você começa a entender:
Esse olhar te ajuda a sair do modo “tudo é importante” e entrar em um raciocínio de valor percebido pelo usuário + esforço necessário.
O Modelo de Kano pode ser combinado com outras ferramentas, como a matriz de esforço x valor, para tornar o processo de priorização ainda mais robusto.
Exemplo:
Categoria | Valor percebido | Ideal para... |
---|---|---|
Must-be | Alto (se ausente) | MVP, primeira entrega, base do produto |
One-dimensional | Alto (proporcional) | Investimentos incrementais de melhoria |
Delighters | Alto (se presente) | Releases estratégicas, encantamento |
Indifferent | Baixo | Corte ou despriorização |
Reverse | Negativo | Reavaliação ou exclusão |
Essa análise ajuda a visualizar o que vale a pena desenvolver agora, depois ou nunca.
Usar o Kano é mais do que preencher categorias: é uma forma de mudar o tipo de pergunta que você faz ao decidir o que construir.
Em vez de:
“Essa funcionalidade é legal?”
Você começa a perguntar:
“Isso realmente vai impactar a experiência de quem usa?”
E isso muda tudo.
Para ilustrar de forma concreta, vamos usar o exemplo de um app de delivery de comida. Imagine que a equipe está considerando as seguintes funcionalidades:
Vamos ver como cada funcionalidade se encaixa nas categorias:
Funcionalidade | Categoria Kano | Impacto esperado |
---|---|---|
Rastreamento em tempo real | Must‑be | Evita frustração, requisito básico |
Sugestões personalizadas | One‑dimensional | Melhora a satisfação proporcionalmente |
Avaliação de ingredientes | One‑dimensional | Ganha em confiança quanto mais detalhado |
Notificações sonoras divertidas | Delighter | Proporciona encantamento inesperado |
Temas visuais personalizados | Indifferent | Pouco impacto, desperdício de esforço |
Com a classificação, algumas decisões ficam claras:
Esse exercício deixa a equipe alinhada e com critérios claros sobre onde concentrar esforços, e onde evitar desperdício.
O Modelo de Kano não é uma fórmula mágica, mas é uma das ferramentas mais eficazes para enxergar o que realmente gera valor para quem usa seu produto. Ele te ajuda a sair da dúvida entre “isso é legal ou não?” e a focar no que encanta, satisfaz ou frustra, de verdade.
Mais do que classificar funcionalidades, o modelo te ensina a tomar decisões com base em percepção de valor, não só em esforço ou gosto pessoal. E o melhor: você pode começar a aplicar mesmo em projetos pequenos, estudos ou cases de portfólio.
Pensar com Kano é desenvolver o olhar estratégico de quem entende que
entregar tudo não é o objetivo
O que importa é
entregar o que faz sentido.